MUDOU TUDO NA REVISÃO DA VIDA TODA? ALEXANDRE DE MORAES E SEU VOTO

A recente postura do ministro Alexandre de Moraes na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2111 tem gerado perplexidade e questionamentos, especialmente no que tange à Revisão da Vida Toda. Desde que retirou seu pedido de destaque, sua posição efetiva tornou-se uma incógnita, levantando dúvidas sobre suas intenções no julgamento. Até então, Moraes vinha se manifestando de forma favorável aos aposentados, mas sua celeridade em acompanhar o voto do relator, ministro Nunes Marques, nos segundos embargos de declaração desta ação, sem qualquer justificativa aprofundada, gerou apreensão. O que antes parecia uma linha clara de defesa dos segurados do INSS agora se tornou incerto, deixando advogados e especialistas sem uma direção concreta sobre como o ministro se posicionará nas decisões futuras.

O ministro Moraes, que até então vinha se manifestando de forma consistente em defesa dos direitos dos aposentados, surpreendeu ao adotar uma posição oposta àquela que sustentou em diversas ocasiões. Sua adesão rápida ao entendimento do relator na ADI 2111, sem a habitual análise aprofundada que costuma realizar, chama a atenção por seu contraste com sua postura anterior. Esse movimento súbito contradiz a linha de defesa dos beneficiários do INSS que ele próprio vinha construindo nos debates sobre a Revisão da Vida Toda.

A mudança de postura do ministro Moraes se torna ainda mais intrigante diante do fato de que ele já se manifestou publicamente, tanto em plenário quanto por escrito nos primeiros embargos de declaração nas ADIs, afirmando que a decisão nessas ações diretas não deve interferir no Tema 1102, que trata especificamente da Revisão da Vida Toda. A insistência nesse ponto reforça a compreensão de que os processos têm naturezas distintas e que o julgamento das ADIs não deveria impactar o direito adquirido pelos aposentados no Tema 1102.

Veja palavras do próprio Ministro Alexandre de Moraes em seu voto nos Primeiros Embargos de Declaração nas ADIS:

“Registro, ainda, que estão pendentes de julgamento os embargos de declaração contra essa decisão de mérito no processo-paradigma da repercussão geral. Assim, compreendo que eventuais discussões quanto ao mérito específico da regra de transição da “revisão da vida toda” devem ser conduzidas nesse recurso extraordinário paradigmático. Relembro que as teses fixadas no âmbito da repercussão geral têm natureza de precedentes qualificados, cuja observância é obrigatória pelas diversas autoridades jurisdicionais brasileiras, sob pena de ajuizamento de reclamação constitucional para garantir a autoridade da decisão paradigmática descumprida, conforme previsto no art. 988, §5º, II, do Código de Processo Civil.

O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL tem o dever de zelar pela estabilidade da jurisprudência, como um dos pressupostos para a manutenção da segurança jurídica.

Consigno que o respeito aos precedentes não impede a evolução do entendimento jurídico, por meio de institutos como a superação de precedentes parcial (overriding) ou total (overruling). Entretanto, existe um ônus argumentativo para que este TRIBUNAL deixe de aplicar os seus próprios precedentes, o que normalmente se justifica por modificações relevantes na realidade fática e/ou alteração das concepções jurídicas dominantes.

No caso sob exame, contudo, vislumbro que a superação da tese, anteriormente fixada em sede de repercussão geral, ocorreu unicamente em razão de mudança na composição da CORTE e em julgamentos de ADIs genericamente propostas em relação a toda legislação.

No julgamento de mérito do Recurso Extraordinário 1.276.977, concluído em dezembro de 2022, participaram da votação os Ministros aposentados MARCO AURÉLIO, RICARDO LEWANDOWSKI e ROSA WEBER, enquanto no julgamento de mérito das presentes ações diretas de inconstitucionalidade – ocorrido apenas um ano e meio após a fixação da tese para o Tema 1.102 da Repercussão Geral – este TRIBUNAL já tinha uma nova composição, com a chegada dos Ministros CRISTIANO ZANIN e FLÁVIO DINO, bem como a possibilidade de voto do Ministro ANDRÉ MENDONÇA – que não votou na fixação de tese em que o Ministro MARCO AURÉLIO já havia participado. Foi diante desse cenário de mudança na composição da CORTE que a tese fixada para o Tema 1.102 foi superada, não porque houve mudança da realidade fática ou alteração das concepções jurídicas dominantes que justificassem a superação do precedente qualificado deste SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

A rigor, não houve sequer transcurso de tempo razoável que conduzisse a uma revisão de tese. Ao contrário, as conjunturas social, econômica e jurídica relativas a essa controvérsia são as mesmas de dezembro de 2022, quando foi fixada a tese para o Tema 1.102. O acórdão embargado aduziu que “a criação de regra de transição para os segurados já filiados ao Regime Geral de Previdência Social (Lei n. 9.876/1999, art. 3º) é constitucional, visto que não viola direitos adquiridos, expressamente ressalvados pela legislação, e possui força cogente, não havendo opção aos contribuintes quanto à regra mais favorável, para efeito de cálculo do salário de benefício”.

Essa compreensão, conflitante com a tese fixada no Tema 1.102 da repercussão geral, motivou o relator, no julgamento dos embargos, fundamentar que “o julgamento de mérito das ADIs 2.110 e 2.111, em 2024, ocasiona a superação da tese do Tema n. 1.102, tanto mais porque ainda sem trânsito em julgado, restabelecendo-se a compreensão manifestada desde o ano 2000”. Não me parece ser correta essa afirmação, uma vez que o TEMA 1.102 analisou especificamente a regra de transição, fixando enunciado detalhado e aplicado a todos os casos concretos idênticos ao julgado naquela oportunidade. Como sustentei por ocasião do julgamento de mérito, considero que o tema constitucional aqui enfrentado é diverso da tese veiculada no Recurso Extraordinário 1.276.977-RG, de relatoria do Min. MARCO AURÉLIO, relativamente à denominada “revisão da vida toda”.

Diante disso, peço vênia para DIVERGIR PARCIALMENTE do voto do eminente Ministro relator, no sentido de:

(…)

II – DAR PROVIMENTO aos embargos de declaração da Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos (CNTM), no sentido de que a decisão proferida no âmbito das presentes ADIs não afasta o entendimento definido pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, em sede de repercussão geral no TEMA 1.102, pelo qual: “O segurado que implementou as condições para o benefício previdenciário após a vigência da Lei 9.876, de 26.11.1999, e antes da vigência das novas regras constitucionais, introduzidas pela EC 103/2019, tem o direito de optar pela regra definitiva, caso esta lhe seja mais favorável.”

A questão que permanece no ar é: qual a motivação para essa mudança de postura? A rapidez com que Moraes se alinhou ao voto do relator sugere pressões externas ou uma estratégia jurídica que ainda não está clara para a sociedade. No entanto, a segurança jurídica e os direitos dos aposentados exigem coerência e previsibilidade nas decisões do Supremo Tribunal Federal.

Especialistas apontam nos bastidores que o ministro Alexandre de Moraes pode insistir na Revisão da Vida Toda dentro do Tema 1102, o qual está pendente de julgamento dos embargos no plenário físico. Além disso, já existe um voto antecipado da ministra aposentada Rosa Weber, favorável ao pagamento dos aposentados, com limitação dos retroativos até dezembro de 2019. Moraes, sendo um grande autor de direito constitucional, ressaltou que descumprir a decisão do Tema 1102 (RE 1276977) pode gerar uma reclamação constitucional. Esse instituto serve para garantir o cumprimento das decisões do STF e pode ser utilizado por aposentados que venham a sofrer qualquer negativa injustificada do INSS ou do Judiciário quanto ao reconhecimento da Revisão da Vida Toda conforme já decidido no mérito do recurso extraordinário.

Diante desse cenário, é fundamental que os aposentados mantenham seus processos ativos para garantir a efetividade de seus direitos. Quem já ingressou com ação judicial deve assegurar a continuidade do trâmite processual, pois, sem isso, a conquista do direito adquirido pode ser comprometida. A segurança jurídica depende do respeito às decisões já tomadas, e a inércia pode dificultar a execução das sentenças e o recebimento dos valores devidos.