REVISÃO DA VIDA TODA: MODULAÇÃO DE EFEITOS DOS RETROATIVOS

Quem acompanha o julgamento do Tema 1102 no STF, a famosa Revisão da Vida Toda, sabe que, após o pedido de destaque do Ministro Alexandre de Moraes, o julgamento será reiniciado no plenário físico. Assim, a primeira batalha consiste em conseguir uma data nas quartas ou quintas, dias em que ocorrem os debates presenciais no STF. A escolha dessa data está a critério do Ministro Luis Roberto Barroso, Presidente do STF.

Mas o que exatamente está em julgamento? Basicamente, a modulação de efeitos pedida pelo INSS nos embargos de declaração.

O julgamento começa a favor dos aposentados (de certa forma), pois o voto da ministra Rosa Weber será mantido.

A então Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber antecipou o voto no julgamento dos embargos de declaração opostos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) contra a decisão que julgou constitucional a Revisão da Vida Toda. A ministra votou por acompanhar em parte o relator, ministro Alexandre de Moraes. Rosa, que se aposentou em setembro, divergiu em relação à data de referência para modulação de efeitos da decisão.

Para a ministra, a data de referência para limitar os atrasados do INSS é 17 de dezembro de 2019, e não 1º de dezembro de 2022, como estabeleceu o ministro Cristiano Zanin em seu voto, acompanhado pelo atual Presidente do STF, Ministro Luis Roberto Barroso. No entanto, isso se for derrotado no pedido de retornar o processo ao STJ, mas isso é assunto para outro artigo.

Na realidade, o que os Ministros estão votando agora não é o mérito da decisão, que já foi favorável aos aposentados em 1º de dezembro de 2022, mas sim uma modulação de efeitos para, nesse caso, limitar o pagamento dos atrasados. Além disso, não se pode esquecer que a modulação de efeitos é muito comum no STF para limitar os direitos de uma decisão somente para quem entrou com ação até uma determinada data.

Mas poderiam os ministros do STF limitar os pagamentos dos retroativos dos aposentados, ou seja, decidir sobre a prescrição dos atrasados? Entenda que os famosos “atrasados ou retroativos do INSS” referem-se aos valores que já deveriam estar sendo pagos, mas que por um erro do INSS não o foram. Importante ressaltar que não foi feito esse pedido em nenhum momento do processo, somente na reta final, nos embargos de declaração após a decisão de mérito pelo STF.

O Superior Tribunal de Justiça, STJ, por sua vez, não fez nenhuma ressalva ao pagamento dos atrasados quando julgou a Revisão da Vida Toda no Tema 999, somente em relação aos prazos prescricionais que a lei já traz, disposição expressa do parágrafo único do art. 103, da Lei 8.213/91, que assim prevê:

Prescreve em cinco anosa contar da data em que deveriam ter sido pagas, toda e qualquer ação para haver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela Previdência Social, salvo o direito dos menores, incapazes e ausentes, na forma do Código Civil.

Na prática, conta-se cinco anos para trás a contar da data da entrada da ação. E as parcelas que se venceram ao longo do processo? São tratadas como parcelas vincendas, inclusive incluindo-se as doze primeiras parcelas no cálculo do valor da causa.

E a modulação de efeitos?

O Supremo Tribunal Federal proferiu, em várias oportunidades, decisões com modulações de seus efeitos com o intuito de dar interpretação conforme a constituição a certos dispositivos normativos. Com o advento da Lei 9.868, de 1999, essa questão foi, enfim, positivada. O artigo 27 da referida lei estabeleceu que:

Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

É possível perceber, então, que o legislador brasileiro optou por um modelo diferenciado, em que é possível, a depender do caso, a adoção de outras medidas que não somente a declaração de nulidade total da norma.

A modulação de efeitos é uma ferramenta jurídica usada de forma excepcional para lidar com situações delicadas quando uma lei é considerada inconstitucional. É como se fosse uma maneira de evitar que a situação já complicada piore ainda mais.

Para que essa modulação aconteça, alguns critérios são essenciais. Primeiro, a declaração de inconstitucionalidade precisa gerar consequências extremamente negativas e fora do comum.

Além disso, é crucial que a pessoa afetada por essas consequências tenha agido de boa fé, sem poder prever o que aconteceria, sendo injusto esperar que ela tivesse previsto isso.

Esses critérios são semelhantes aos usados pela Corte Europeia de Justiça. Eles buscam evitar que simples devoluções de impostos, que são normais quando uma norma é declarada inválida, sejam consideradas motivos para essa modulação. Do mesmo modo, a modulação não deve ocorrer quando a invalidade da norma decorre de um entendimento já conhecido por quem a criou, mesmo que fosse contrário.

No Brasil, o Supremo Tribunal Federal tem usado a modulação em casos de leis tributárias consideradas inconstitucionais. Isso acontece mesmo quando a questão é levantada pela Fazenda, durante a sessão ou posteriormente no processo. A justificativa é o prejuízo decorrente da simples necessidade de devolver o dinheiro.

Sem entrar em detalhes sobre a essencialidade da energia elétrica ou a necessidade de uma lei específica para definir prazos tributários, há casos em que a mudança de entendimento prejudica o contribuinte que seguia regras anteriores e decisões já consolidadas. Isso é mais grave quando o contribuinte confia em uma decisão firme da Justiça, que é depois alterada, punindo quem deixou de pagar impostos seguindo essa orientação.

Atualmente, há um caso pendente no STF sobre a modulação da decisão que validou a cobrança de uma contribuição sobre o terço de férias. Muitos contribuintes não pagavam essa contribuição porque seguiam uma orientação pacífica da Justiça. Agora, com a mudança de entendimento, há essa discussão sobre se deveria ser feita essa modulação para proteger quem seguia a orientação anterior.

Se a modulação não acontecer, isso não trará apenas prejuízos financeiros, mas também abalará a confiança daqueles que agiam seguindo as orientações judiciais. Se a modulação for limitada a quem já entrou com ações até uma data passada, isso pode incentivar mais ações judiciais antecipadas, o que já é um problema para a Justiça sobrecarregada.

O pior cenário seria a ausência de modulação, enviando a mensagem de que apenas o poder público tem direito à segurança jurídica, enquanto o cidadão, mesmo confiando nas decisões judiciais, acaba prejudicado.

Em outras ações, o STF fez a modulação de efeitos e ressalvou os processos ajuizados até a data de julgamento (por exemplo, RE 574.706, Tema 1093 do STF e ADI 5.469, só para citar algumas).

jogo virou: quem perdeu sai ganhando, quem ganhou é excluído e outros acabam recebendo o prêmio. A ideia inicial da modulação era regular os efeitos retroativos de decisões de inconstitucionalidade, mas agora está afetando a própria base do direito constitucional. Quando uma decisão correta é alterada por conveniência em vez de mérito, isso prejudica a função essencial da justiça. O uso frequente e sem critérios da modulação precisa ser seriamente discutido pelos profissionais do direito.

Obrigado por estar aqui.

Deus te abençoe e até a próxima!

Com carinho, Professor Nakamura.