Análise da Decisão das ADIs 2110 e 2111 e Seus Reflexos na Revisão da Vida Toda
As Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 2110 e 2111 foram ajuizadas há mais de duas décadas, visando questionar a legalidade de normas relacionadas ao cálculo dos benefícios previdenciários. A ADI 2110 foi proposta em 1º de dezembro de 1999 e, ao longo dos anos, permaneceu em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF) sem uma definição conclusiva. Contudo, em dezembro de 2023, os ministros do STF, em plenário virtual, decidiram por maioria de 7 votos que essas ações não interfeririam no Tema 1102, que trata da Revisão da Vida Toda.
Surpreendentemente, em março de 2024, apenas quatro meses depois, houve uma reviravolta na posição da Corte. Os ministros revisitaram a questão e decidiram de maneira contrária à posição anteriormente firmada, passando a utilizar as ADIs 2110 e 2111 para fundamentar uma decisão que, na prática, retardou a implementação da Revisão da Vida Toda. Esse novo entendimento gerou grande insegurança jurídica, prejudicando aposentados que aguardavam a correção de seus benefícios.
Os segurados da Previdência Social, assim como os operadores do direito, foram tomados de surpresa com esse julgamento de mérito, após mais de 24 anos de tramitação na Suprema Corte.
Essas ADIs contestaram vários dispositivos da Lei n. 9.876, de 26/11/1999, principalmente:
- A inclusão do inciso III ao art. 25 da LBPS, que estabeleceu a carência de 10 meses para concessão do salário-maternidade às seguradas contribuintes individuais, especiais e facultativas;
- A nova redação do art. 29, caput, seus incisos e parágrafos da LBPS, que ampliaram o período básico de cálculo do salário de benefício e criaram o fator previdenciário;
- A regra de transição (art. 3º), para quem já era filiado ao RGPS na data da publicação da Lei n. 9.876 (28/11/1999), limitando a utilização dos salários de contribuição à competência de julho de 1994, sem previsão expressa de opção pela regra permanente, ainda que mais vantajosa.
Em 15 de março de 2000, a liminar postulada nas ADIs 2110 e 2111 foi indeferida, mantendo-se a sistemática de cálculo, especialmente no que tange à ampliação do período básico de cálculo e à introdução do fator previdenciário. A decisão foi assim sintetizada:
“O Tribunal, por unanimidade, não conheceu da ação direta por inconstitucionalidade formal da Lei nº 9.868/99. Prosseguindo no julgamento, o Senhor Ministro Relator proferiu voto indeferindo a medida cautelar. O Tribunal, por maioria, indeferiu o pedido de medida cautelar relativamente ao art. 2º da Lei nº 9.876/99, na parte em que deu nova redação ao art. 29, caput, seus incisos e parágrafos da Lei nº 8.213/91, nos termos do voto do Senhor Ministro Relator, vencido o Senhor Ministro Marco Aurélio, que o deferia.” (Plenário, 15.3.2000)
O julgamento do mérito das ADIs foi retomado em 19 de agosto de 2021 e concluído em 21 de março de 2024, com a seguinte decisão:
“O Tribunal, por maioria, conheceu parcialmente das ADIs 2.110 e 2.111 e, na parte conhecida, (a) julgou parcialmente procedente o pedido constante da ADI 2.110, para declarar a inconstitucionalidade da exigência de carência para a fruição de salário-maternidade, prevista no art. 25, inc. III, da Lei nº 8.213/1991, na redação dada pelo art. 2º da Lei nº 9.876/1999 […] e (b) julgou improcedentes os demais pedidos constantes das ADIs 2.110 e 2.111, explicitando que o art. 3º da Lei nº 9.876/1999 tem natureza cogente, não tendo o segurado o direito de opção por critério diverso.” (Plenário, 21.3.2024)
Em relação à Revisão da Vida Toda, o julgamento estabeleceu que:
- A regra de transição da Lei nº 9.876/1999, que exclui os salários anteriores a julho de 1994 do cálculo da aposentadoria, deve ser obrigatoriamente aplicada, não permitindo ao segurado escolher outra forma de cálculo, ainda que mais benéfica;
- O texto constitucional veda a adoção de requisitos ou critérios diferenciados para concessão de benefícios (CF/1988, art. 201, § 1º);
- Para segurados que se filiaram até a data anterior à publicação da Lei nº 9.876/1999, aplica-se a regra que considera a média dos maiores salários-de-contribuição desde julho de 1994, sem possibilidade de optar pela regra definitiva da Lei nº 8.213/1991.
Essa nova orientação do STF contraria precedentes firmados em repercussões gerais importantes:
- Tema 334: “Para o cálculo da renda mensal inicial, cumpre observar o quadro mais favorável ao beneficiário, pouco importando o decesso remuneratório ocorrido em data posterior ao implemento das condições legais para a aposentadoria.” (RE 630501, Plenário, DJE 26/08/2013);
- Tema 1102: “O segurado que implementou as condições para o benefício previdenciário após a vigência da Lei 9.876/1999 e antes da vigência das novas regras constitucionais, introduzidas pela EC 103/2019, tem o direito de optar pela regra definitiva, caso esta lhe seja mais favorável.” (RE 1276977, Plenário, DJe 12/04/2023);
- ADIs 2110 e 2111: “A declaração de constitucionalidade do art. 3º da Lei 9.876/1999 impõe que o dispositivo legal seja observado de forma cogente pelos demais órgãos do Poder Judiciário e pela administração pública, em sua interpretação textual, que não permite exceção.” (Plenário, 21.3.2024).
Ainda está pendente de análise um embargo de declaração no Tema 1102, no qual o INSS busca anular o julgamento proferido pelo STJ, ou pelo menos limitar o direito ao pagamento dos retroativos dos aposentados.
Diante desse cenário, a luta continua para que o STF module os efeitos dessa decisão para proteger segurados que possuam processos em andamento, conforme já determinado em outras situações, como no Tema 709 do STF. Assim, seria garantida a irrepetibilidade dos valores recebidos de boa-fé.
Portanto, ainda que a decisão tenha imposto um obstáculo significativo à Revisão da Vida Toda, a luta dos aposentados continua. É crucial que os embargos pendentes sejam analisados com base na segurança jurídica e na justiça social, promovendo um sistema previdenciário mais equilibrado e sustentável.